Helloween - “Ser uma banda de rock não basta. O Helloween é Heavy!”
Por Thiago Sarkis
Vinte anos se passaram desde o lançamento de Keeper Of The Seven Keys II (1988), e da saída de Kai Hansen do Helloween. Os fãs, até hoje, não esquecem nem um nem o outro. Há aqueles que saúdam os trabalhos recentes do grupo germânico, dentre os quais o novo álbum, Gambling With The Devil (2007), sucesso de críticas em todo o mundo. Por outro lado praticamente inexistem admiradores de Heavy e Power Metal que questionem a década de oitenta do conjunto alemão, especialmente, é claro, os lendários Keepers. Independentemente dos favoritos do público, chega a hora de transformar o bom em algo ainda melhor. Pivô das desavenças com Hansen, Michael Weikath (guitarra) declara trégua, afirma ser “tempo de paz”, e se encaminha para mais uma excursão pelo Brasil, onde, acompanhado por Andi Deris (vocal), Sascha Gerstner (guitarra), Markus Grosskopf (baixo) e Dani Löble (bateria), apresentará o mais recente lançamento do Helloween e tocará ao lado do Gamma Ray, banda liderada por seu ex-companheiro e desafeto. Veja na seqüência o que ele nos revelou sobre o disco atual e as expectativas para as datas sul-americanas da “Hellish Rock Tour”.
Li alguns comentários do guitarrista Sascha Gerstner falando que o novo álbum foi basicamente composto a distância, por vezes usando softwares como Skype e similares. O que você tem a nos dizer sobre este processo, e a experiência de trabalhar dessa forma?
Michael Weikath: Bem, isso não era algo que imaginávamos fazer quando iniciamos nossa carreira (risos). As coisas mudaram muito, não? Skype e outros softwares nem sonhavam em existir naquela época. A verdade é que este método que utilizamos foi levado ao extremo em Gambling With The Devil. No entanto, não chega a ser uma novidade para nós. Trabalhamos praticamente da mesma maneira quando lançamos Metal Jukebox, álbum para o qual gravamos todas as faixas separadamente. Foram experiências boas, produtivas, e diferentes do que vivemos em The Dark Ride. Também não nos reunimos frequentemente na composição daquele disco, porém, por outras razões.
Os conflitos internos que a banda vivia à época, certo?
Michael: Exatamente. Não havia como estarmos juntos por muito tempo devido a todos os problemas internos e de egos que enfrentávamos. Em Gambling With The Devil , apesar da distância, foi diferente. Espero que os fãs não encham suas cabeças ou fiquem pensando coisas como: ‘ah, a minha banda, o Helloween, já não ensaia, e deixou de ser o que eu imaginava e desejava’. Às vezes, utilizar métodos tradicionais é desnecessário para um grupo experiente. Cada um de nós simplesmente prepara suas demos com o material que escreve, ou com aquilo que desenvolve após ouvir as idéias dos outros integrantes. Os resultados são excelentes.
Houve alguma razão especial para vocês decidirem adotar essa metodologia de trabalho?
Michael: A turnê de Keeper Of The Seven Keys – The Legacy foi muito longa, e quando retornamos para nossas casas, já era hora de compor um novo álbum. Eu demorei um pouco para finalizar as cinco faixas nas quais comecei a trabalhar, mas felizmente contei com colaborações especiais de Sascha Gerstner, Andi Deris e Markus Grosskopf. Eles escreveram ótimas músicas, e riffs e linhas melódicas marcantes que aparecem em Gambling With The Devil. Escolhemos o que surgiu de melhor durante o processo de composição, e colocamos no disco. Há material que não foi lançado no CD, e que ainda pode ser aproveitado se desenvolvido com cuidado e atenção.
Quais foram as funções assumidas por cada um na elaboração deste novo álbum?
Michael: É curioso que neste álbum não ocorreram muitas mudanças entre os rascunhos originais e as composições finalizadas. No geral, a função de cada um de nós foi complementar aquilo que o compositor original das músicas trazia. Sascha fez um papel interessante, colaborando com todos, adicionando idéias aqui e ali. Acredito que tivemos a felicidade de encontrar dois integrantes, Andi e Markus, em momentos muito inspirados também. Acho que as melhores faixas que eles já prepararam para o Helloween estão em Gambling With The Devil. Dani Löble também teve certo espaço para criar, já que as partes de bateria foram gravadas de forma direta, praticamente ao vivo em estúdio com os vocais e as guitarras.
As gravações, então, foram feitas em grupo, e não separadamente, como parece ter sido o caso de Metal Jukebox.
Michael: Você pegou a idéia, e esta união nas gravações foi um fator importante para o êxito do álbum. Soubemos aproveitar o tempo que tivemos juntos e conseguimos, com a colaboração do produtor Charlie Bauerfeind, dar um som vibrante e orgânico ás composições. Não prolongamos as coisas. Fizemos o básico, colocamos nossos corações em cada passagem, harmonia, solo de guitarra, e assim finalizamos todas as faixas. Com o tempo e a experiência dos anos de estrada, a gente aprende a lidar com a pressão de estar em estúdio. Além da responsabilidade para com os fãs, há as questões financeiras, já que é preciso investimento alto para agendar um bom lugar com profissionais qualificados e equipamentos de última geração. Essas coisas realmente não são baratas. Então, passamos a valorizar as formas de expressão naturais de cada integrante nas músicas. Seguimos determinados padrões, e prestamos atenção aos detalhes, mas não nos prendemos totalmente a eles. O instintivo, frequentemente, rende melhor que o minucioso. Gambling With The Devil prova isso.
O que o título deste álbum diz a você? Qual o significado dado a ele pela banda?
Michael: Nós tivemos dois centros de referência diferentes para o título do álbum. Um foi a dualidade do ser humano e da sociedade da qual falamos em Occasion Avenue. O outro ponto parte do princípio que você é seduzido pelo mal, e diariamente faz escolhas e assume os riscos dos caminhos que decide tomar. No final das contas, cada um sabe o que procurou para se tornar uma pessoa boa ou má.
Isso não é apenas mais uma representação da leitura tradicional e já muito explorada da dualidade entre o bem e o mal?
Michael: Por um lado, sim. Por outro, não. Todos nós vivemos os dois lados da moeda e nos divertimos, às vezes, com o que é considerado o ‘mal’. É um jogo, como este que está representado na capa. Você arrisca, e lida diariamente com as conseqüências de suas apostas. Em alguns momentos, talvez, algo mágico, místico, pode mudar a direção das coisas. Provavelmente em outras dimensões. Porém, não compreendemos e alcançamos isso. Aí já seria um tópico para séries como ‘Além da Imaginação’ ou ‘Arquivo-X’ (risos).
Raras vezes ouvimos o Helloween soar tão pesado como em Gambling With The Devil. De onde veio a inspiração para este peso?
Michael: É o resultado do encontro das diferentes influências que formam as personalidades dos integrantes do grupo. Hei de destacar que temos hoje Sascha Gerstner, um cara mais jovem, ex-membro do Freedom Call, e de diversas bandas que faziam covers de todos os tipos de música pesada. Além de Blind Guardian e Helloween, sei que alguns desses antigos conjuntos dele tocavam Crossover, Hardcore, Grindcore, Heavy e Thrash Metal. Às vezes ele traz algumas coisas que simplesmente não suporto escutar (risos).Aí fica aquela insistência: ‘vá lá, dê uma chance. Ouça isso, é ótimo!’. Acabo curtindo alguns grupos e faixas, pois, independentemente do estilo, sempre há a possibilidade de encontrarmos bons guitarristas, bateristas, baixistas. Os vocais não me agradam, não adianta (risos).
Sascha parece ter hoje bastante influência em tudo que o Helloween faz.
Michael: Certamente. Ele representa uma nova geração cheia de idéias diferentes, e há muitas coisas boas que podemos aproveitar disso nas músicas do Helloween. Andi também é inspirado por bandas pesadas, mais melancólicas, sombrias. Acho que é deles, em especial, que pegamos esse peso de Gambling With The Devil. Abrimos portas e horizontes para o nosso som, e estamos curtindo bastante tudo isso.
Você diria que, apesar de gostar do som deste novo álbum, ainda prefere o Helloween tradicional, aquele mais Power e, às vezes, Speed Metal?
Michael: Esse estilo mais pesado é bom o bastante pra mim, e não sei se prefiro o que fazíamos antes. São coisas diferentes e curto ambas. No mínimo, é melhor do que quase nos tornamos um grupo Pop como em Chameleon. Aquilo foi horrível, um péssimo momento para nós. Pra mim, ser uma banda de Rock não basta. O Helloween é Heavy! Escrever músicas acessíveis de vez em quando, como Mrs. God, tudo bem, mas este é o limite em termos comerciais.
Entendo o que você diz, mas é curioso ouvi-lo falar isso, pois eu sempre soube de sua admiração por Rock tradicional, das antigas.
Michael: Isso é verdade. Tenho quarenta e cinco anos, gosto de ser um músico de Rock ‘N’ Roll, e várias das minhas raízes vêm dos clássicos do estilo. Porém, a maneira como compreendo o Helloween é outra. Somos uma banda de Heavy Metal. Podemos não ser os melhores. Há guitarristas que me superam. Tudo bem. O importante, no final das contas, pelo menos pra mim, é fazermos um som pesado, além do Rock.
Há outra coisa que me intriga. Você já expressou inúmeras vezes o desgosto que teve com The Dark Ride. Porém, para muitas pessoas, e me incluo aí, Gambling With The Devil é, estilisticamente, uma continuação daquilo que havia começado naquele álbum.
Michael: Você não mede palavras. Gosto de conversar assim (risos). Muita gente tem este mesmo pensamento, mas poucos ousam dizer. Na verdade, também acho que Gambling With The Devil é como uma continuação de The Dark Ride. A diferença é que nos aprimoramos. Minha crítica a Roland é que estávamos fazendo um estilo que os americanos praticavam em um nível superior ao nosso, e produzindo riffs banais que qualquer garoto iniciante conseguia tocar em segundos. Ele zombava, e hoje pode até dizer que sou um compositor velho e gordo do Heavy Metal tradicional (risos). Tudo bem, mas escrevo as músicas corretamente. A mensagem aos fãs do Helloween é: vocês querem The Dark Ride? Então comprem Gambling With The Devil, pois é assim que The Dark Ride deveria soar (risos).
Há grandes diferenças entre Gambling With The Devil e Keeper Of The Seven Keys – The Legacy. Como vocês trabalharam essas mudanças em tão curto espaço de tempo, e de um álbum para outro?
Michael: Apesar de ser moderno, Keeper Of The Seven Keys – The Legacy contém muitas coisas oitentistas. Nós tínhamos consciência de que seria assim, já que queríamos fazer referência àquela época, e provar para as pessoas que ainda somos capazes de compormos algo no mesmo nível das duas primeiras partes dos Keepers. Sabíamos que o álbum seguinte soaria diferente e, provavelmente, mais pesado. É o que aconteceu. Acho que a atual formação ganhou segurança e ficou mais consistente com a última turnê. Logo, as mudanças ocorreram naturalmente. Não foi difícil, pois estávamos preparados.
Foram mencionadas anteriormente música que não desafiavam jovens guitarristas. Quais faixas deste novo álbum você destacaria em termos de estrutura, complexidade?
Michael: Honestamente acho que todas têm ótima estruturas, mesmo aquelas que soam mais simples. Se você ouvir rapidamente músicas como The Bells Of The Seven Hells, Fallen To Pieces e Kill It, pode até pensar que são fáceis, mas os tempos e riffs são intrincados e realmente desafiadores. A velocidade é outra coisa que dificulta a execução de várias das faixas de Gambling With The Devil. Tocá-las corretamente, e limpas, é complicado, e ensaiamos muito para acertarmos tudo isso na turnê.
Quando vocês tiveram a idéia de convidar Biff Byford do Saxon para fazer a narração da introdução Crack The Riddle?
Michael: Nós havíamos pensado em duas possibilidades: a primeira seria convidar o mesmo narrador que fez a introdução de Keeper Of The Seven Keys – The Legacy. Porém, trata-se de um senhor que está lutando contra o câncer. Sabemos das dificuldades pelas quais ele vem passando, e preferimos não o incomodar. A segunda alternativa era Andi Deris narrar Crack The Riddle, mas ele não queria, e nos disse que o negócio dele é cantar (risos). Além disso, precisávamos de alguém que falasse inglês corretamente; não é o nosso caso (risos). Charlie Bauerfeind trabalha com Biff Byford e lhe telefonou. Foi difícil encontrarmos um horário em nossas agendas para as gravações, e por isso ele aparece apenas narrando. Se tivéssemos mais tempo, certamente o convidaríamos para participar de outra música.
Vocês, pelo visto, tiveram muito pouco tempo para trabalhar no álbum. O processo foi de certa forma acelerado com vistas à turnê ao lado do Gamma Ray?
Michael: Sim, foi tudo um pouco corrido. Já tínhamos a turnê agendada, e precisávamos finalizar o álbum antes dela. Para nossos agentes e gravadora, isso é algo importante, pois evidentemente facilita o acerto de show, e dá divulgação e exposição enormes para os lançamentos de Helloween e Gamma Ray.
O que vocês perderiam caso não lançassem o álbum dentro do que fora solicitado pela gravadora e por seus empresários?
Michael: Perderíamos, por exemplo, os festivais europeus de verão e, provavelmente, a chance de tocarmos na América Latina logo após os discos serem lançados. Toda banda precisa levar esses aspectos em consideração, especialmente um grupo como o Helloween que, atualmente, vive uma fase de grande popularidade. Não gosto de trabalhar nessa correria, contudo, se nós sentássemos e parássemos agora, deixaríamos excelentes oportunidades e uma passagem especial da carreira da banda escorregar por entre nossos dedos.
É uma oportunidade única.
Michael: Exatamente, e nós seríamos burros de deixar isso passar. Teríamos uma atitude de amadores, e tratamos o Helloween de forma extremamente profissional. A partir do momento em que não afetamos nossa música, está tudo bem. Gambling With The Devil é um grande disco que resultará em uma turnê melhor ainda.
É o que esperamos. Bem, os problemas com Kai Hansen parecem estar solucionados. De qualquer forma, você imaginaria que um dia entraria em turnê com ele novamente?
Michael: A gente sempre pensa em coisas que podem acontecer. Quando ele saiu do helloween, disse que aquilo seria o melhor, e que nos tornaríamos amigos novamente trabalhando distantes um do outro. Porém, passamos muito tempo ocupados e afastados, e as discussões surgiram. Mal conversávamos. Temos idéias diferentes sobre diversos assuntos, mas dentro de uma banda, agimos de maneira similar. Centralizamos os serviços, gostamos de controlar tudo. Duas pessoas assim dificilmente conseguem algo estando no mesmo lugar. Viramos inimigos (risos). Superamos isso e hoje nos damos bem.
Você tem exata noção da importância dessa turnê especialmente para os fãs do Helloween?
Michael: Acho que tenho; sei que é muito especial para os fãs. É importante para nós também, e não foi uma decisão fácil de tomar. Kai teve essa idéia há muito tempo e cogitou a possibilidade de fazermos uma turnê conjunta em uma conversa com Markus. Porém, nós estávamos relutantes, principalmente eu, pois fiquei imaginando o que aconteceria caso brigássemos novamente. Seria terrível para ambos. No entanto, aproximamo-nos ainda mais com o passar dos anos, e agora tudo coincidiu. As duas bandas assinaram com a mesma gravadora, e têm disponibilidade pra excursionarem juntas. É tempo de paz.